11deJulho

tendências, souvenirs, beijos esparcidos aos precipícios dessa coisa rugosa que muitos chamam amor, solilóquios, colóquios, provocações e invectivas, enfim, de tudo um pouco, daquilo que sou

Wednesday, October 26, 2005

As horas extraordinárias- Pensamentos e Propostas sobre a Cultura em Évora

As horas extraordinárias

- Pensamentos e Propostas sobre a Cultura em Évora

Por Alexandre Nunes de Oliveira

I. Prelúdio breve

Escrevem-se estas linhas a propósito de questões suscitadas pela generosa expedição de agentes camarários até junto dos corações juvenis que batem - e se debatem - na cidade. Porque nada é isento, mas sempre valores e interesses nos conduzem, entre aqueles que nos escolheram e os outros que abraçamos pela mão da vontade, trata a reflexão, mais especificamente, sobre o que se poderá chamar de Cultura Juvenil Urbana, que a Cultura é obviamente mais lata do que isso, mas é neste meandro que nos podemos, tanto quanto dita e alcança a nossa consciência, situar e sentir o à-vontade próprio para uma análise e sequente encargo de proposituras.

Assim faz o saber, que nos trouxe há mais de dez anos, corria a terna juventude, nesta mesma cidade onde nasci, ao abrigo meigo das artes, que a vocação que em si própria é o pensamento também fez chegar, assim cedo, à escrita, jornalística, hermenêutica, filosófica e, portanto, crítica, do quanto vi e experimentei. Este longo legado, com saudação grata da academia olissiponense e da prática em revistas e jornais nacionais da especialidade, fornece-me, assim creio, dados, conhecimentos, horizontes, artimanhas até, para julgar e apontar com órgãos fundados os caminhos que a seguir vou indagar e percorrer.

II. Andamento (também breve) sobre a Noção de Cultura

Em primeiro lugar, impõe-se dizer que não faz sentido conceber uma política cultural juvenil dissociada da cultura em geral. Estão e devem estar interligadas. Isto por diversas razões, das quais posso destacar duas ou três, escolha o leitor.

Primeiro, porque o que se fez, no Ocidente, a partir dos anos 60, indubitavelmente, foi que a Juventude se tornou, por ela mesma, e pela primeira vez na História da Humanidade, um agente cultural autónomo e original. À parte do génio, que sacode apenas o escol dos afortunados, podemos mesmo dizer que a Juventude é, nos tempos de hoje, a força cultural por excelência. Isto faz, doutra sorte, que boa parte do público da cultura em geral seja já um público de juvenil idade. Muitas das actividades, por isso mesmo, são já, de origem, naturalmente vocacionadas para públicos jovens urbanos – até porque, iteramos, os criadores, são, muitas vezes, e em bom número, eles próprios jovens.

E finalmente, porque, em todo o caso, os jovens - passo o chavão - são o público do futuro, e é a ver que se aprende, directamente nos espectáculos e nas actividades – é aí que o público cresce e se forma enquanto tal[1].

Não quer dizer que não hajam actividades ou eventos que sejam visivelmente mais orientados para as camadas jovens, mas mesmo essas não são absolutamente determinadas em termos de público – são, precisamente, orientados. É do nosso aviso que faz parte da democracia que, por definição, as actividades culturais sejam abertas – a toda a gente, como é óbvio.

III. Nave Central - devagar se vai ao longe (?): O caso de Évora

No que toca à cidade de Évora propriamente dita e à intervenção cultural da sua Câmara, este princípio anteriormente exposto deve ser aplicado. Mas porque as realizações culturais dependem, para além do empenho e do desiderato, das condições estruturais e circunstanciais[2], preliminarmente a qualquer arranjo directo de fundo – a qualquer política[3] do foro cultural para esta cidade, há questões que têm de ser clarificadas – até porque as sugestões a que o Executivo insta as suas gentes terão muito maior escala e cabimento se os seus proponentes souberem com o que podem contar.

Parte desses esclarecimentos diz respeito aos equipamentos e ao seu uso. Em concreto, quais são os espaços que a autarquia tem, quais as suas utilizações, e que projectos é que a Câmara tem para novos equipamentos – se a câmara quer ter ou planeia abrir novas infraestruturas para serviço cultural.

III.1 – O Garcia e os seus fantasmas (ou: Um Palco para a Cidade)

Importa, em primeira instância, clarificar a situação do Teatro Garcia de Resende (TGR) – se é um Teatro Municipal, ainda para mais, sendo a sala mais importante que temos, deve estar ao serviço da cidade e executar as funções que lhe competem – fornecer actividades culturais regularmente, com um programa definido para todos os públicos. Agita-se, evidentemente, de uma situação complexa, em função da herança deixada pela anterior gestão autárquica. Mas cremos que é fundamental que a maior sala de espectáculos do burgo[4], ainda para mais, pertencendo à edilidade, fomente a cultura de uma forma aberta, descentrada, plural e – não menos importante – frequente, constante e integrada. Que feliz seria ver implementada no velho Garcia uma programação mensal séria, abrangente, consistente e sistemática, com espectáculos variados de música, teatro, dança, enfim, artes de palco, duas ou três vezes em cada semana - tal como sucede, por exemplo, nos teatros municipais Rivoli do Porto e Maria Matos de Lisboa, ou até no Teatro Académico de Gil Vicente em Coimbra[5].

Tal programação deverá ser, como indiciámos, regular e polimatista, mas contemplando necessariamente algumas áreas e aspectos fundamentais, que em seguida exporemos com mais detalhe[6]:

• Teatro: vinda e apresentação regular de companhias nacionais (e não só) – idealmente, uma por semana, com duas apresentações de cada espectáculo; É que ao nível do país, há muito mais grupos para além das respeitáveis Escola da Noite e Companhia Teatral de Braga – e muitos deles mortinhos por oportunidades de mostrarem o seu trabalho;
• Dança: Realização quinzenal (idealmente) ou, pelo menos, mensal de um espectáculo de qualidade – por companhias ou criadores de renome, da cena nacional e internacional. Difícil? As parcerias com festivais e entidades que promovem a dança é uma saída que poderá ser muito eficaz[7]. Para uma companhia ou um artista que vem da Suíça ou da Eslováquia a Portugal, caso haja disponibilidade de agenda, claro que é sempre preferível fazer mais um espectáculo.
• Música – realização quinzenal (idealmente) ou, pelo menos, mensal de um espectáculo de qualidade de música erudita – especialmente música sinfónica ou recitais de instrumentistas altamente creditados[8]; Realização, pelo menos mensal, de concertos da área do jazz e da música étnica/world music, cujas características se adeqúem ao espaço[9].
• Ópera: como é sabido, é um problema realizá-la no TGR, devido à inexistência de fosso de orquestra. Então, porque não um estudo para a sua implementação? A área de palco do Garcia é suficientemente grande para tal (é uma das maiores em todo o Portugal). Embora não tenha conhecimentos técnicos na matéria, parece-me perfeitamente exequível abrir um fosso movível (que apenas seja aberto quando necessário), para uma orquestra até 30 elementos, na parte frontal do palco (afinal, hoje o ponto já não se usa...). Será caro? Mas não será também um investimento para o futuro?[10]
• Salão Nobre – O TGR não dispõe apenas da sala principal. O Salão Nobre e o Hall de entrada são exemplos de outras áreas largamente susceptíveis de utilização cultural pública. Pequenas representações de teatro (como aliás o CENDREV já tem feito), recitais e pequenos concertos, récitas e encontros de poesia, são algumas das actividades que facilmente ali se podem conjunturar.
• Abertura aos criadores e agentes locais – O Teatro Municipal deve abrir as suas portas aos grandes espectáculos e iniciativas da comunidade, incluindo quer os de produção própria e original, quer aqueles que, tendo protagonistas forasteiros, se integrem em acções ou programações de eventos organizados por agentes locais;
• Por último, parece-nos altamente recomendável que o Bar do Teatro tenha uma abertura regular ao público, como acontece com outros espaços similares um pouco por esse país[11]. De facto, não me parece sensato que Évora possa prescindir de um espaço de animação que reúne condições tão invejáveis: óptima localização, excelente ambiente, e, como não, o próprio desenho arquitectónico e decorativo[12].

III.2 – Um caso chamado CENDREV (?)

Em consonância com tudo o que discernimos anteriormente, não é de excluir o CENDREV do TGR. O CENDREV deu muito à cidade e terá ainda para dar. Mas o Teatro Municipal deve ser um espaço mais aberto e abarcante. Consequentemente, o uso do Garcia pelo CENDREV deve ser mais limitado.
De resto, bem vistas as coisas, nas temporadas mais recentes, o CENDREV tem utilizado a sala principal do TGR para as suas produções cerca de quatro vezes/ano, sendo que cada série de espectáculos raramente ultrapassa as três semanas. Falamos, portanto, de uma utilização que rondará por ano, algo entre 12 e 15 semanas, eventualmente um máximo de 20 - quando o ano tem mais de 50...
Por outro lado, o CENDREV realiza todos os anos algumas peças noutras partes do Garcia – o Salão Nobre e outros pequenos espaços, normalmente adequados às dimensões da peça em causa. E também tem sido vulgar, e plenamente louvável, a companhia sair do TGR, indo ao encontro doutros espaços da urbe – o Pátio do INATEL, o Pátio de São Miguel, o Palácio de Dom Manuel, etc[13]. Isto, não contando com as digressões que ocupam sempre algumas semanas à companhia (nada contra, claro está), nomeadamente, nos casos de produções que envolvem grande elenco.
Acreditamos que é possível chegar a acordo ou solução digna para todas as partes e que responda às necessidades culturais actuais do público eborense. Seja como for, aquilo que nos parece flagrante é que a Cidade precisa bastante mais do TGR do que o CENDREV - que até é uma companhia versátil, que não só tem denotado predisposição para procurar espaços diversificados, como capacidade para se lhes adaptar, em geral com pleno êxito artístico.
O CENDREV é um agente válido da cidade e portanto não pode ser desprezado nem posto na prateleira. Deverá, naturalmente, poder continuar utilizar o palco principal do TGR – digamos, duas/três vezes por ano, com séries de espectáculos até três semanas. Isto significa uma utilização de aproximadamente 9/10 semanas em 52[14]. Que fique bem claro que tal não seria uma esmola. É uma solução de compromisso entre uma companhia de teatro e a cidade à qual pertence– e que, por isso mesmo, por ser o CENDREV que pertence à cidade e não o inverso, deve ser o CENDREV a submeter-se ao desígnio cultural da cidade e não o inverso.

Pessoalmente, entendemos que a solução óptima passaria pela construção, dentro ou contiguamente ao Teatro, de uma sala de média dimensão - o Auditório 2[15]. Ali poderia o CENDREV realizar também, ao longo do ano, algumas peças de menor envergadura cénica, deixando assim livre o palco principal para outras iniciativas. Prevemos que, com duas salas, facilmente se poderia estabelecer, ao longo do ano, uma programação repartida entre as séries de espectáculo do CENDREV e as restantes manifestações e iniciativas calendarizadas, sem nenhum problema de disponibilidade[16].

Esta ideia encontra reforço na observação de que algumas[17] das peças que o CENDREV monta na sala principal do Garcia não utilizam meios cenográficos de grande escala – simplesmente, não existem é outros espaços na cidade, de dimensão intermédia e com condições adequadas, que possam servir de palco para a sua apresentação.
A gestão do Teatro Garcia de Resende, bem como a delineação do seu calendário de actividades, ficaria assim a cargo de uma entidade própria, possivelmente camarária ou empresa municipal[18], que deveria entender-se com o CENDREV sobre a utilização dos espaços do Garcia de Resende para efeitos da suas representações -respeitando as intenções do grupo, mas subordinando-as à programação geral[19]. Assim, nas vezes em que o CENDREV utilizasse a sala principal do Garcia, a segunda sala ficaria livre para outras actividades.

Até lá, e mesmo depois dessa eventual construção, que acreditamos largamente benéfica para a cidade, o CENDREV deverá ser incentivado - aliás como é sua vocação -, para realizar algumas das suas actividades noutros espaços das cidade. Durante o Inverno, o Palácio Dom Manuel é uma opção plausível, no Verão, o que não faltam são alternativas ao ar livre.


III.3 – Do Salão Central - até aos umbrais do imaginário

Outra situação que importa clarificar é a do Cine Teatro – o Salão Central Eborense. Há doze anos (12) que se ouve falar de um projecto municipal, que a Câmara vai recuperar o espaço, reabri-lo e pô-lo ao serviço da cidade. Doze anos é muito tempo para se decidir do destino de um equipamento cultural. Ao que nos diz o actual executivo, este equipamento estará funcional em 2004. Não podendo ser antes, é algo com que nos teremos de congratular.
Para este espaço, embora numa lógica de necessária articulação com outros recintos municipais que venham a dispor de oferta cultural regular, talvez fosse o mais adequado destinar-se primeiramente para o cinema – porque essa é a sua vocação original – com particular incidência para o cinema independente e de autor, que em Évora não tem distribuição fixa. Mas é claro que tudo dependerá do projecto e da orientação que sofrer[20].
Existem em Évora organizações – das quais a melhor posicionada será o Pátio do Cinema[21] – com experiência reconhecida e provas dadas que devem ser tomadas como um parceiro inestimável nesta matéria. Os principais certames cinematográficos que a cidade, por si própria, ou pela mão da autarquia, conseguir encetar, deverão também configurar-se para decorrerem este espaço[22]. Inclusivamente, poder-se-á adoptar uma designação chamativa para o local ou o conjunto da sua oferta, como Animateca, Movimento, Cinorama ou Casa das Imagens.

Depois, importa aferir das funções, valências e capacidades do Pavilhão Multiusos[23], que o nóvel executivo camarário pretende construir e operacionalizar também dentro do escopo do vigente mandato. Urge saber onde, quando, em que circunstâncias e para que fins a Câmara quer esse equipamento e como se espera que dele possa fruir a cidade e quem a habita e visita[24].

Por fim, há que inquirir-se de todos os espaços camarários ou de alçada municipal, como os antigos Celeiros da EPAC, o Alçude, o Palácio Dom Manuel, a Igreja de São Vicente e outros, que, maior ou menormente virados para a cultura, têm uma actividade intermitente ou de pouca visibilidade. Que destino, que vocação, que lógica de funcionamento e de articulação? Uma programação integrada e orquestrada, racionalizada, mas regular - viva, variada, actual e intensa, deve ser considerada e, desejavelmente, posta em prática. As áreas devem ser as mesmas sondadas anteriormente[25], numa lógica que contemple a adaptação da natureza dos eventos à premência de vivificação dos espaços, sem olvidar os interesses e a formação do(s) público(s) e recorrendo, o mais que se possa, mas também não exclusivamente, aos agentes locais e regionais[26].
No caso de locais que sirvam propósitos mais logísticos e estruturais[27], habitualmente menos visíveis juntos do público em geral, a publicitação à comunidade das actividades que ocorram e ocupem estes espaços também deve ser tomada em conta. Entre outras vantagens, o conhecimento evita críticas supérfluas e desavisadas, ao mesmo tempo que pode cimentar uma boa imagem do trabalho da edilidade e dos artistas ou intelectuais envolvidos. A informação também é cultura.
E, já que falamos de juventude, fazer dos Celeiros da EPAC um magno entreposto de cultura urbana juvenil - activo, dinâmico, polifacético e interventivo. Um espaço de criação e radicalidade, em suma.

IV. Minueto - em torno do plano das parcerias

Évora tem vivência cultural. Mesmo sem muitas condições, muitos são os agentes que se organizam como podem e persistem nos seus intentos de fazer viver e vibrar a cidade. A Câmara deve ir ao encontro desses agentes ou proporcionar-lhes formas de chegarem até si – o que do ponto de vista dos resultados poderá não ser muito divergente.
As parcerias são um factor e um elemento estratégico crucial na boa gestão cultural de um município. Orça-se, portanto, fundamental, inventariar aqueles que são da cidade (colectividades, fundações galerias, grupos de teatro, a Universidade, etc.), os outros que não sendo, aqui estão instalados ou representados (a CCRA, o INATEL, o IPJ, etc.), e aferir quais são aqueles que estão receptivos a parcerias, até mesmo a participar e colaborar na programação municipal, ou simplesmente a ceder os espaços de que dispõem para a realização de eventos. Para além disso, devem-se estimular as parcerias entre eles, porque muitas vezes da cumplicidade e complementaridade nasce a produção cultural que solitariamente não se conseguia obter ou encetar.

IV.1 – A ordem dos espaços

Alguns desses espaços poderiam, de facto, estar de forma mais continuada e presente ligados à vida cultural e artística da urbe. Falamos de espaços como os Auditórios da CCRA, da Universidade, da Academia de Música, da Sociedade Dramática Eborense, ou, mais recentemente, do Fórum Eugénio de Almeida.
São quase todos espaços modernos, amplos, bem dotados, confortáveis, mas que juntam as estas, outra faceta mais desafortunada – a subutilização, quando não mesmo o desaproveitamento. Na verdade, estas entidades, não têm exibido produção nem programação cultural própria. Pelos mais diversos motivos – ausência de interesse, de competência, de capacidade financeira, humana ou logística[28]. Não obstante, esses auditórios poderão entrar na lista dos espaços de espectáculo da cidade, caso quem de direito os disponibilize, sendo até susceptíveis de um uso recorrente e concertado.

IV.2 – A rede dos eventos

As parcerias, sem embargo, decorrem também ao nível axiomático que compõem os eventos. Deve-se, indubitavelmente, apostar na continuidade das iniciativas que já existem, que reúnem qualidade e que, ademais, são prestigiantes para a cidade. Naturalmente, cabem aqui tanto as iniciativas organizadas pela Câmara, como as doutras fontes. O importante é cristalizar, ao longo do ano, uma rede, um leque, um tecido de actividades diversificadas e de referência – porque é assim que se faz uma vivência cultural, é assim que se faz público culto, esclarecido, participativo.
São exemplos disso o Festival Internacional de Curtas Metragens (FIKE), a Bienal de Marionetas (BIME), o Festival Évora Clássica, o Festival de Gravura, o Festival de Teatro Amador (FESTAE), que há dias terminou, entre outros. Movem-se, com efeito, de eventos que fomentam a cultura da e na cidade, como promovem igualmente a cidade na cultura – isto é, no mundo, para fora dos seus limites e limitações. Ora, entendemos ser assim que se vê a força cultural de uma cidade, pela pujança das suas iniciativas, pela sua projecção, impacto, pluralidade, consistência e regularidade. Por isso, este investimento concertado com os restantes agentes da cidade deve ser encarado como uma prioridade.

IV.3 - Plataforma para o Mundo

Outros dois exemplos de projectos louváveis, que agora nos ocorrem porque estão neste momento em curso, são a Communicare – Bienal de Artes e Tecnologias de Comunicação e o III Encontro Internacional de Arte Juvenil. Agitam-se de duas iniciativas que não partiram da Câmara, mas de agentes particulares, a EPRAL/Fundação Alentejo no primeiro caso, e no segundo a Galeria Teoartis[29]. Mas é com agrado que verificamos a presença da autarquia municipal à cabeça dos apoios de ambas. Inclusivamente, na medida em que nos parece ter todo o sentido, dado que este apoio da Câmara com certeza propicia aos eventos outra dignidade e amplitude. Essencialmente, não se deixa assim cair o fôlego impulsionador e a inventividade, tantas vezes ofuscados e silenciados pela falta de apoios e a descrença das instituições.
Estes dois exemplos são ainda óptimos por outro motivo: configuram um intercâmbio com jovens de outros países. Ora, pensamos que esta é uma acção de extrema relevância e a seguir, mesmo directamente pela edilidade: a procura de laços com outras culturas[30], ou seja, tentar-se estabelecer protocolos de cooperação com cidades médias de outros países, privilegiadamente, cidades de tipologia similar a Évora – cuja identidade recaia na tradição histórica, no património, na relação com uma universidade, etc.
Estas parcerias estratégicas internacionais poderão acontecer individuamente ou através de redes[31], no sentido de se produzirem intercâmbios entre jovens, em especial, jovens criadores. A solução prática dependerá do figurino que se encontre - se apenas uma cidade, para começar, se múltiplas, bem como de outras variáveis influentes. Mas tudo pode começar por se organizar a Semana de Évora na Cidade x, para em retribuição se organizar cá uma Semana da Cidade x. Assim se faz o mundo.

V. Rondó: O que mais há a desejar (e como lá chegar)

O que é que se pode querer mais para a Juventude da nossa cidade?
O imaginário sussurra-nos ao ouvido o infinito, do qual apenas sentimos um breve perfume. Mas o seu encalço levar-nos-á mais longe do que alguma vez fomos – se formos.
Desde logo, que os encontros entre a cúpula camarária e os jovens, criadores e interessados, possam acontecer mais vezes, como aliás ficou expresso na concorrida reunião de dia 2, a qual, afinal, aqui nos traz à escrita. Impõe-se, por conseguinte, que os responsáveis escutem e dialoguem, estejam nessa disposição e tenham essa disponibilidade.
Ainda assim, provavelmente, não poderá ser sempre o próprio Presidente da Câmara. Talvez para que essa comunicação e acessibilidade possa dar-se numa base regular, senão constante, deva existir na Câmara uma unidade que trate, de uma forma organizada, desta recolha de ideias, deste pulsar criacional, bem como do seu sequente encaminhamento. Porque não é só ouvir. Além de se receberem as pessoas, há que dar orgânica e implementação ao que elas trazem na palavra.
Nessa mesma reunião, falou-se em fugida da Comissão Municipal de Juventude (CMJ). Seja ela, ou outra a unidade que se emposse deste encargo. O nome é o que menos importa – nomes há muitos -, interessa é que seja um órgão permanente, funcional, dinâmico, e que dê facto saída e resposta: não pode ser meramente um depósito de ideias – tem que haver um correlato prático que confira sentido e materialização ao fluxo criativo daquilo que se imagina.


V.1 - Festival Jovem e outros sons

E por aqui prosseguimos. Já que mencionámos a CMJ, recordamos como organizava, na transição dos anos 80 para os 90, o Festival Jovem, que, ao que supomos, já não existe. Não é nos dado de relance desenrolar a arqueologia exacta desta realização, mas terá perdurado por sete ou edições consecutivas[32], sempre com razoável afluxo de assistência e bom clima de confraternização.
Este festival aportava ademais no seu cerne uma dupla valência – permitia a muitos projectos da cidade e do Distrito desabrochar na aventura de palco, ao mesmo tempo que permitia ao nosso público apreciar algumas das melhores bandas do pop-rock nacional do momento. Tratam-se de dois atributos inestimáveis para a cultura de uma cidade que se quer manter moderna, actual, e não só a par, mas por dentro da movida da linha da frente.
Ora, se antes existia um Festival Jovem, bem organizado, que trazia a Évora grupos de topo e inclusivamente público forasteiro, que é o sinal inequívoco de quando um evento se tornou de referência, porque é que não se há-de retomar um certame nestes moldes[33] e fazer, todos os anos, uma mostra de dois ou três dias, com os melhores conjuntos e artistas nacionais - e porque não internacionais, se se puder trazer um ou dois?[34]
Agora, mais importante é que as bandas locais se possam mostrar. Uma banda evolui também através dos concertos, do confronto com o público. Consequentemente, deve haver um espaço onde os grupos de Évora, com regularidade, possam mostrar o que valem. Outra hipótese é haver mesmo uma mostra de bandas, um Festival, mas só para as bandas locais. E outra hipótese ainda, a melhor, a desejável, é a concatenação de ambas as hipóteses – um espaço regular para concertos e uma mostra/festival periódico.
Em anos mais recentes, até existiram tentativas de incorporar este hábito, de criar espaços permanentes para a actuação regular de conjuntos locais. Contudo, por motivos de diversa índole, não singraram. Os Celeiros da EPAC foi um desses locais e reunia bastante adesão juvenil. Está ainda por determinar porque é que em Évora se foge sistematicamente das fórmulas bem sucedidas. Como o nosso propósito não é avançar em psicologismos, resta-nos apenas registar que aquele lugar continua a perfilar-se como uma excelente oportunidade, no que à criação de um entreposto de cultura musical urbana diz respeito: oferece espaços fechados, tal qual zona ao ar livre, que podem perfeitamente servir, cada quais, para o Inverno e o Verão, lançando assim ao largo a rede da continuidade.
O Monte Alentejano também oferece condições interessantes para o Inverno, se considerarmos a perspectiva do café-concerto[35]. O que é de evitar é algo similar aos Pavilhões do Rossio[36], para onde amiúde, no passado, se remeteu e encerrou a juventude na senda das suas manifestações, prestando-lhes daquele modo um infeliz aspecto concentracionário e estigmatizante.
Relembramos que as escolas secundárias têm alguns espaços razoáveis para estes propósito. Mas também não seria descabido construir um anfiteatro ao ar livre, numa zona ajardinada – equipamento provavelmente de concepção simples, custo reduzido e susceptível de utilização veranil. Até lá, a cultura eborense estival pode-se socorrer de espaços ao ar livre já existentes – como o esquecido Anfiteatro que existe ao lado do Auditório da Universidade, o magnífico Jardim do Hotel da Cartuxa[37], o já citado Complexo das Piscinas Municipais. Se a Praça do Giraldo não é para ser considerada, então há alternativa credível no Jardim das Canas, onde o novo arranjo engendrou um espaço, debruçado sobre a fonte, que facilmente se presta ao papel de palco para espectáculos à luz das estrelas[38].
Évora bem que pode e merece, pois, um Circuito do Rock e das Novas Tendências. Somos é peremptoriamente desfavoráveis a um cenário em que a Fábrica da Música seja o único local consagrado a estas lides. Quanto a nós, a distância face ao Centro Histórico, torna aquele espaço pouco acessível a quem não tenha transporte próprio, obstaculizando assim o encontro entre os artistas e o seu público natural, os mais novos[39].
Conforme já deixamos suspeitar, as considerações que acabámos de tecer não se aplicam em exclusivo ao pop-rock e suas derivações, como também servirão para outros géneros associados ao espectro mais geral da música popular, quais o Jazz e a Étnica/World. A proximidade reside, axialmente, ao nível dos requisitos de apresentação ao vivo e do próprio público[40]. São tipos de música que justificam plenamente a aposta, contando, desde logo, para tal, com os intérpretes cá do burgo.

VI.2 – A questão clássica - ou Erudita

Porém, como é evidente, falamos também de um género fundamental para a afirmação cultural de uma urbe quando nos reportamos ao universo erudito/clássico. Move-se de uma área que normalmente não se liga muito à cultura juvenil, mas isso também é um preconceito. E de resto, reiteramos o argumento, só pode existir público – ou só se pode negar a sua existência - havendo oferta.
Neste plano, além de uma programação regular de recitais e música de câmara[41], o objectivo crucial parece-nos apoiar a total activação da Orquestra Juvenil – a qual, segundo nos indicou fonte segura, está em dissolução por falta de apoios – e, a longo prazo, a recriação da Orquestra Sinfónica de Évora, que entre nós existiu há cerca de meio século, seja esta ou outra a designação que venha a adoptar. A Orquestra será para todo o Alentejo, conforme está consignado no plano nacional de criação de orquestras regionais, que ao fim de uma década ainda não foi efectivado[42], mas naturalmente, tem toda a pertinência que venha a estar sediada em Évora: devido à maior e melhor articulação que terá com o ensino (Academia, Universidade, etc), como ao nível de outras condições funcionais de que gozará, incluindo maior margem de público. Deve, portanto, ser a Câmara de Évora a tomar também a dianteira deste projecto[43].
Seria identicamente de levar em linha de conta, alternativa ou provisoriamente, a constituição de uma Orquestra de Câmara - como as há em Coimbra, Funchal e Oeiras-Cascais, nomeadamente.

VI.3 - Os dramas do Teatro

No campo do teatro, que é uma das áreas onde Évora tem mais público e tradição criativa, perspectivamos três orientações fundamentais de intervenção:
• Primeiramente, apoiar os grupos presentes e operativos na cidade - todos, sem excepção nem discriminação - possibilitando-os de chegar ao público, consoante as suas potencialidades e interesses, através de séries de espectáculos regulares e não esporádicas, que não permitem desenvolver os espectáculos.
• Concomitantemente, apoiar as iniciativas já decorrentes, como o FESTAE, a BIME e outras, que dignificam a cidade, proporcionando-lhe cultura, mas também renome e projecção nacional e internacional;
• Em terceiro lugar, mas com relativa urgência, estabelecer uma programação, integrando o TGR e espaços alternativos, que contemple a vinda regular de grupos oriundos de outras cidades[44].
À guisa florescem umas notas. A respeito da arte dramática, importa salientar que o mapa português não se resume a Lisboa e Porto, conquanto todo o gosto haveria em que companhias residentes nas duas áreas metropolitanas por aqui passassem com frequência.
Na realidade, impõe-se recordar o protocolo com Braga e Coimbra, que é fecundo, mas, por um lado, pode ser intensificado[45], por outro, deveria estender-se a outras cidades – quais Faro, Santarém, Viseu, Tondela, Seixal, Guimarães, Funchal, Viana do Castelo, enfim, cidades com relevância cultural e dimensão mais aparentada à de Évora que a capital e a Invicta.
Por fim, a internacionalização, de resto, no quadro irreversível do avanço da União Europeia, é um caminho próprio de quem tem golpe de asa. O que não faltam são cidades médias plenas de vitalidade cultural, por esse Velho Continente[46].
Assim mesmo, duas iniciativas me parecem fundamentais: Um Festival de Teatro e Artes de Rua, para animar o Verão, e um Festival Internacional de Teatro, em recintos cobertos, durante a estação fria[47].

VI.4 A Dança – urgência e prudência

Naturalmente, muito do que se disse até aqui se adapta ao contexto da Dança, que continua a ser o parente mais pobre das artes de palco em Évora, como o é em todo o país.
Mas em Évora o cenário é particularmente confrangedor. Acontece muito pouco, para além das visitinhas anuais da Companhia Nacional de Bailado e do Ballet Gulbenkian, só para marcarem o ponto. Devem continuar a vir, mas é premente que o espectro seja fortemente alargado. A quinzenalidade seria um bom princípio.
Há por cá uma Companhia de Dança Contemporânea, mas a falta de apoios parece crónica. O ano passado, por esta altura, esta companhia tentou realizar um festival, mas conseguiu assegurar apenas dois espectáculos. Falar de festival, com dois espectáculos, é estar-se próximo do absurdo. Um Festival de Dança Contemporânea tem que ser levado a sério, porque é um assunto sério – e Évora bem que dele precisa.
É que a dança, nas últimas décadas, foi das artes que maiormente se expandiu, sendo, hoje em dia, indiscutivelmente, um dos segmentos estéticos onde a radicalidade e a inovação são mais vívidas, intensas, fervilhantes. E nós não podemos perder esta pista, porque ficaremos nós próprios para trás.
Para já, todavia, dados os escassos ensejos que lhe têm sido facultados, suspeitamos que o público eborense está, neste domínio, estagnado, o que aqui serve de eufemismo para ignorante. Não é culpa própria, mas é um vector que deve ser tomado em conta. A programação deverá ser prudente e gradual.

VI.5 – O canto e campo da Literatura

No domínio das Letras, foi com curiosidade que registámos a ocorrência da Feira do Livro em Outubro, uma novidade para nós. Bem vistas as coisas, a semestralização de eventos desta natureza pode revelar-se bastante frutífera. A opção por um programa cultural e de animação diária também é candeia de porfiar.
Em todo o caso, deixaríamos mais algumas ideias, ou ideais, desde logo, no sentido de também regularmente existirem edições literárias, com textos de jovens autores locais e residentes, que não estão facilitados no que toca a chegar à publicação do que escrevem. As edições destas antologias, ou revistas literárias, de chancela municipal, poderiam acontecer trimestralmente ou semestralmente, abarcando as áreas da poesia, prosa e também ensaio – mais esquecida, mas não menos importante.
Em afino com esta medida anterior, seria desejável recuperar o espírito das tertúlias e dos encontros literários, com uma vocação juvenil, mas não restrita a este âmbito. Aqui há uns anos, Encontros de Poesia, de iniciativa particular, aconteceram bastas vezes no Salão Nobre do Inatel. Espaços, para certames deste carácter, abertos à população em geral, não mancam, felizmente, em Évora. A Câmara poderá, quiçá, tão-só, activar o primeiro impulso para o lume da palavra.
Doutra parte e destino, seria de incentivar casas livreiras do país a encetarem por estas bandas, mais amiúde, os lançamentos das obras que estão a seu cargo[48], utilizando para tal espaços de elevado cunho histórico, estético e patrimonial – que se poderiam orçar também como lugares consagrados para as outras lides literárias atrás consignadas, nomeadamente os Encontros que aflorámos no parágrafo anterior.
A situação da Biblioteca Pública e de uma eventual Biblioteca Municipal são aspectos que, obviamente merecem atenção especial. Mas como são focos de polémica entre os intelectuais da cidade há anos, quiçá décadas, abstenho-me aqui de mais considerandos.

VI.6 – Das Exposições e das Artes Visuais

Recuperaríamos aqui novamente a proposta de alargar mais o espectro de intervenção cultural juvenil nos antigos Celeiros da EPAC. O nosso conhecimento da situação presente não é total, contudo, parece-nos o recinto apropriado para a criação de uma plataforma de criação e produção, onde não só houvessem exposições dos jovens nativos, mas também oficinas de aprendizagem e aperfeiçoamento[49] e ainda apoio técnico constante[50].
De facto, em conversas informais que temos mantido com jovens licenciados em Belas-Artes, a dificuldade em encontrar locais e datas para expor – vector fundamental para a continuação do seu labor – é usualmente a preocupação mais declarada. Se há jovens com formação e criatividade, mas que vêm as suas carreiras goradas ou comprometidas por não puderem apresentar à comunidade, formalmente, o seu trabalho, talvez a Câmara devesse considerar a criação ou activação de um espaço amplo e permanente onde as obras daqueles artistas viessem a ser apreciadas.
Já a outro nível, porque as artes plásticas encerram em si particular complexidade, observamos que há vários museus em Évora, quase todos de pequena dimensão. A Câmara poderia, neste âmago, agir no sentido de haver uma maior interligação entre eles – divulgação recíproca, porque não um bilhete concertado, que servisse para todos, tal como a coordenação, ou pelo menos o incentivo, a exposições e outras actividades conjuntas.
Há vários museus em Évora, dizíamos, mas não há um grande Museu Municipal.
Lembramo-nos, assim de chofre, de um projecto para um Museu de Arte Contemporânea (MACE), meio esquecido e praticamente desterrado num local de pouca vista, onde nunca parece estar ninguém[51]. De resto, o espaço que está visado para a implantação deste Museu[52] parece pequeno para um propósito tão grande[53]. Se o espaço é municipal, então merece ser vivificado, e aquilo que ali passou no último trimestre de 2001 deveria merecer prossecução: intervenções e instalações de linha contemporânea, por variados artistas. Ou seja, pode ser um espaço de experimentação e mostra. Mas um Museu talvez justifique instalações mais dignas e condições mais altas.
Para grandes – ou importantes – exposições, Évora tem o Palácio de Dom Manuel, e também já se utilizou o piso superior dos ex-Celeiros. Dizer tão somente isto é reconhecer automaticamente que nos falta uma grande galeria municipal, capaz de acolher uma mostra de nomes de envergadura do panorama artístico – sejam eles nacionais ou, porque não, internacionais[54]. Por isso, o avanço de uma construção Multiusos ou de Congressos e Espectáculos, deveria, em nosso entender, contemplar sempre uma Galeria ou Centro de Exposições, bem circundada, já de si, por um jardim amplo que servisse para a apresentação de Escultura contemporânea.

VI.7 – Claro, a Sétima Arte

Área crucial das artes hodiernas, até porque é uma forma estética que se consubstanciou e afirmou durante o último século. O panorama de Évora foge, apenas por milímetros, à pura consternação. Com efeito, abrindo um jornal nacional na página do cartaz cinematográfico, constatamos que somos das capitais de distrito e cidades universitárias com menos salas de cinema[55]. Tudo bem que é uma questão de iniciativa privada – mas não deixa de ser lamentável.
Assim, e se a Câmara não conseguir fazer lobbying junto de nenhuma empresa de exploração para que aqui instale mais uma ou duas salas, entenda-se que é forçoso, em primeira instância, apoiar o que já existe, e que é pouco – basicamente, o razoável trabalho de divulgação de cinema independente e de autor feito pelo Pátio do Cinema e o Festival de Curtas Metragens (FIKE) que também organiza. Uma sala municipal, que por insígnia seria o Salão Central, deverá ser operacionalizada[56]. Em tal cenário, e como já deixámos antever, o Pátio do Cinema deverá constituir um interlocutor privilegiado.
Já que mencionámos o FIKE, porque não aproveitar a sua dinâmica e apoiar a realização de curtas-metragens, através, por exemplo, de uma unidade orgânica de produção – algo como uma Agência de Curtas Metragens[57], mais pequena, municipal, com um estúdio de produção e patrocinando quatro ou cinco projectos anuais nesta área. É uma ideia[58].
Bem a propósito. Recentemente, «O Sétimo Punhal», de Vítor Moreira, venceu um Festival de Curtas Metragens na Grécia. Frisamos este sucesso, pois que se trata de um realizador de Évora, que aqui nasceu e vive. Alguém soube disso? Alguém na cidade fala disso? Vamos continuar nessa ignorância inerte de nós mesmos?
O referido filme, que nos últimos dois anos tem feito boa figura nos principais eventos do género em toda a Europa, ao que cremos, foi exibido uma única vez na nossa cidade, em Novembro de 2001, integrando precisamente a secção competitiva do FIKE. Não poderia a Autarquia organizar uma sessão com a película, na qual estivesse presente o realizador, com o intuito de celebrar o feito[59] e evidenciar que há entre nós, gente com capacidade e brilho – e que muitas vezes não dispõem é de condições para se aperfeiçoarem ou exteriorizarem o talento.
De resto, haveria que abrir a cidade a produções cinematográficas nacionais e internacionais, para que aqui se rodasse mais vezes, aproveitando as idiossincrasias da nossa riqueza patrimonial[60]. já aqui foi feito, mas apenas esporadicamente. Assim, mais do que ter, Évora poderia ser cinema.
Para rematar, insistir que esta expressão artística mexe hoje com interesses económicos poderosos, não se podendo escamotear a evidência que boa margem do que lhe respeita pertence à esfera da iniciativa privada. Não obstante, a Sétima Arte é uma área sensível, semelhantemente, porque é no nosso tempo uma das linguagens fundamentais da criação estética. Logo, uma afirmação cultural cosmopolita e avançada não pode passar sem a ter na estima dos seus movimentos.

VI.8 – Multimédia e outros passos (que ficam por dar)

Promovido pela EPRAL/Fundação Alentejo, decorreu há escassos dias, por entre a concorrida rentrée eborense, o Communicare - Bienal de Artes, Tecnologias e Multimédia[61]. Tratou-se de uma primeira aproximação, conquanto de parco impacto e amplitude, à noção de Festival Multimédia, como já se vão fazendo em Lisboa, Porto e outros lugares. Na verdade, o Communicare correu por poucos dias, apresentou exíguos eventos, e alguns deles até falharam[62]. Além disso, entreteve-se a convidar forasteiros, obliterando quase totalmente as forças vivas da cidades.
Esta Bienal pode vir a ser um pólo de afirmação do Multimédia, na nossa cidade, mas terá que ser encarado de forma muito mais dirigida, interdisciplinar e congruente, não como uma amostra de actividades que se contam pelos dedos e cuja lógica de apresentação não é perceptível. O Multimédia é um território ainda em aberto, maximamente por explorar, mas os exemplos que já existem, pelo menos no nosso país, exibem forte consistência programática e eivada radicalidade estética. Há que segui-los. De resto, ser o Communicare, ou outro qualquer, o certame multimédia da cidade, é-nos indiferente. Tanto já não é que nada se cumpra.
Além do Multimédia, muitas outras áreas respeitantes ao escopo de uma possível leitura do que é, ou deveria entretecer, actual ou vindouramente, a cultura juvenil urbana ficam aqui por estabelecer – o Desporto, a Formação, a Informática, a Ciência, o Ambiente, a História, o Património, a Saúde, a Moda, etc. Sem embargo, de uma parte, já se faz demasiado longa esta meditação, doutra, não somos – esperança temos – quem de mais indicado para aflorar nem aprofundar estas temáticas, sem, todavia, negar a sua importância.

VII. Em jeito de coda – o Público e a Divulgação.

Deixo então o finale a cargo de aspecto que não me parece de somenos.
Comentávamos há dias com amigo dilecto, e de que demos testemunho na reunião de dia 2, que o recital de Liliana Bizineche, organizado pela Câmara Municipal, para comemorar o Dia Mundial da Música, estava a meia casa, num espaço que nem sequer é muito grande – o Auditório da Academia de Música. Indagando sobre as razões que levam um espectáculo de qualidade, de entrada gratuita, numa sala de média dimensão, a não esgotar, concluímos que a causa principal terá que ser a falta de divulgação e promoção.
Com a idade que temos, podendo dizer tranquilamente que passámos metade da vida, a frequentar, por iniciativa própria, espectáculos e outras manifestações culturais nesta cidade, bem como a reflectir criticamente sobre os mesmos, sentimos identicamente o à-vontade para falar do público eborense - até porque cumprimos função, formal e informal, de divulgar actividades e nunca nos abstivemos da troca de impressões com outros espectadores.
Obviamente que, a limite, formar público é uma tarefa infinda. Obviamente que se pode sempre formar mais e melhor – aliás, faz todo o sentido, porque a formação do público é contínua e processual, o público renova-se, é dinâmico, como também o são as deveniências da arte. Mas, e até porque já vivemos (em) e conhecemos bem outras cidades, e as respectivas dinâmicas culturais, e se há catorze anos que frequentamos, com base regular e totalmente voluntária, toda a gama de ocorrências culturais, conferimo-nos a legitimidade indutiva e analógica para julgar, e assim procede do nosso juízo que em Évora há público e que, no vigente mandato, a divulgação tem apresentado falhas que urge colmatar.
A agenda cultural, por exemplo, tem chegado atrasada, além de que não serão ainda muitos os locais onde ela se encontra disponível. Em todo o caso, os circuitos de divulgação não se podem confinar a uma agenda, quer porque há quem não a procure ou dê por ela, quer porque há actividades que lhe escapam, devido a serem agendadas depois do fecho de edição.
Que uma cidade Património Mundial acautele as suas paredes, achamos muito justo e recomendável. Mas, nesse caso, outras estratégias terão que ser ponderadas para a divulgação através de cartazes alusivos às actividades e eventos, sejam estes municipais ou de particulares.
De facto, não se justifica que, a pretexto da vinda a Évora de uma cantora lírica da estatura de Liliana Bizineche, ou de uma actriz como Maria do Céu Guerra, não existam cartazes alusivos nos principais eixos da cidade. Mas porque discriminação rima mal com democracia, não se justifica naqueles casos, como para nenhuns outros. Aqueles são apenas mais escandalosos. Mas a igualdade de oportunidades tem que ser acautelada. E sem informação de rua, notória e apelativa, conquanto também controlada, há muito público potencial que nunca chega a ser actual.
A Câmara deve assim disponibilizar placards informativos próprios para o efeito, e colocá-los nas principais praças do burgo[63]. Ali poderão os agentes culturais, regradamente, dar notícia das suas actividades. Quanto à própria autarquia, para aquilo que promover, poderá adoptar inclusivamente cartazes com um grafismo específico, para mais fácil identificação pelos passantes. Esta divulgação deverá ser completada com folhetos, ou flyers, pequenos, mas suficientemente informativos e apelativos, distribuídos por pontos sensíveis da urbe.
Além disso, importa tentar atingir o público jovem onde ele está – nos bares, nos cafés, na Praça do Giraldo, mas também, evidentemente, nas Escolas e na Universidade. E se a política recente tem sido a de gratuitizar os eventos, porque não pensar-se num sistema de incentivo aos jovens e estudantes, com distribuição de bilhetes gratuitos para os estabelecimentos de ensino. E aqui ficamos, que já não foi pouco.


Évora, Outubro de 2002
[1] - Não se considera aqui o caso das crianças, sobre o qual tão pouco nos pronunciaremos.
[2] - Nomeadamente, Espaço(s), Tempo(s) e ... Dinheiro.
[3] - Sim, porque podemos simplesmente ter medidas espúrias e desarticuladas...
[4] - Que não é assim tão grande quanto isso no que toca à lotação, embora o seja ao nível do palco e boca de cena.
[5] - Este, exemplo particularmente recomendável, não só porque a dimensão e representatividade cultural de Coimbra é mais comparável à de Évora, como pela variedade e qualidade da programação que consegue apresentar a cada novo mês, com um orçamento bastante compacto. É uma sala que cumpre verdadeiramente (e sem ser municipal) a nobre missão de ser o Teatro da Cidade.
[6] - Esta programação, a incidir sobremaneira nas artes performativas ou de palco, poderá ser integrada, assumindo a designação geral de «Évora-Palco», ou outra semelhante, ou então aparecer segmentada nas suas diferentes áreas sectoriais, a seguir expostas, ou consideradas de outra forma que os responsáveis entendam mais correcta.
[7] - O Centro de Artes Performativas do Algarve, o Núcleo de Experimentação Coreográfica e o Balleteatro Auditório (ambos do Porto), o CEM-Centro em Movimento, de Lisboa, etc.
[8] - Para recitais de músicos menos cotados, bem como em geral para a música de câmara e a música sacra, existem na cidade outros espaços mais adequados – como, porque não, o próprio Salão Nobre do TGR; o que também não faz sentido é colocar, por exemplo, uma orquestra na Igreja das Mercês, onde os instrumentistas se acotovelam e metade do público não vê nada...
[9] - De resto, estas programações sectoriais poderão ser consideradas de uma forma mais lata, aproveitando também outros espaços da cidade e levando espectáculos a locais mais consentâneos com as suas características.
[10] - Pode-se argumentar que não há público em Évora para a Ópera, mas isso é um argumento circular: senão há ópera, é óbvio que não pode haver público. Aliás, eu já vivi em Coimbra, lá só vai havendo ópera de dois em dois meses, por companhias de fora, mas as pessoas aderem extraordinariamente. O meu conhecimento dos meios culturais presta-me a intuição de que em Évora, a haver, não será diferente.
[11] - No aqui já citado Teatro Académico de Gil Vicente de Coimbra, como no Teatro Municipal do Funchal, no Teatro Taborda em Lisboa ou no Espaço ACERT, em Tondela, só para mencionar alguns (bons) exemplos.
[12] - Tem, portanto, todas as condições - inclusive instalações sanitárias independentes...
[13] - O CENDREV fá-lo sobretudo no Estio (donde comummente serem espaços ao ar livre) e com peças do repertório vicentino. Recorde-se que Gil Vicente é em absoluto o autor mais representado pela companhia (só seguido de perto por um certo Bertolt Brecht) – ou seja, o CENDREV executa esta alternância estival praticamente todos os anos.
[14] - Uma tal solução recolhe alguma inspiração nos casos do Teatro do Campo Alegre (Porto) e do Auditório Municipal de Gaia. Estas duas salas detêm uma programação própria variada e rica, que integra as temporadas, respectivamente, da Seiva Trupe e do Teatro Experimental do Porto - duas companhias reputadas, mas que não possuem actualmente espaço próprio. A programação é definida de forma concertada entre os responsáveis das companhias e dos espaços, sem prejuízo da polivalência e oferta diversificada destes últimos.
[15] - Porque não nas traseiras do Teatro, para onde até já existiu um projecto destes, ao que cremos. E porque não designá-lo de André de Resende... Enfim, as ideias são de parto fácil.
[16] - Argumento que tem sido muitas vezes impossibilitador da realização de espectáculos no Garcia, porque o CENDREV ocupa o palco com ensaios, o que resulta até certo ponto compreensível.
[17] - Não todas, mas algumas – quiçá entre um terço e metade.
[18] - Aqui encontramos possíveis paradigmas nas salas lisboetas Taborda e Maria Matos, que têm gestões próprias e larga autonomia de programação, continuando porém – e muito bem - a funcionar como teatros municipais. Melhor ainda será o Teatro Rivoli do Porto, para o qual foi constituída uma empresa municipal de gestão cultural, a Culturporto, que tem demonstrado excelentes resultados. Actualmente a Culturporto não é somente responsável pela programação (excelente) do Rivoli, como também organiza várias outras iniciativas culturais noutros espaços municipais da Invicta.
[19] - O Centro Dramático de Évora teria, pois, participação, embora minoritária, ou pelo menos consultiva, mas não determinativa, nessas tarefas de gestão e programação - mais uma vez, em aproximação aos modelos explanados, supra, nas notas 14 e 18.
[20] - Exemplo aqui a tomar seria o Cineateatro da Covilhã, um espaço em tudo semelhante ao Salão Central: é do mesmo período, tem a mesma marca arquitectónica, situa-se no coração do cidade. A diferença é que funciona - na dependência da Edilidade, com uma programação regular de cinema alternativo, e também acolhendo eventos de relevo, como o Festival Imago, que se vêm afirmando nos anos mais recentes. Entre outros, merece também atenção o caso do Cineclube de Faro, que promove sessões com razoável frequência num espaço emprestado, o Auditório do IPJ da mesma cidade, numa parceria que tem evidenciado bons resultados.
[21] - Porquanto com alguma intermitência, tem desenvolvido um esforço condigno na divulgação do cinema alternativo, quer através das sessões que consegue assegurar com obras recentes, quer por via do FIKE – Festival Internacional de Curtas Metragens.
[22] - Aqui os exemplos são inúmeros, mas podemos sempre frisar o salutaríssimo Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila de Conde, que, conquanto organizado por uma entidade independente, realiza-se no Auditório Municipal daquela localidade.
[23] - ou Centro de Exposições, Congressos e Espectáculos (CECE).
[24] - Voltava aqui a referir-me ao Teatro do Campo Alegre do Porto, uma vez que se enquadra como arquétipo de um espaço multifuncional e detentor de programação regular, com várias salas de dimensão diferente, que podem funcionar ao mesmo tempo com total autonomia.
[25] - vide, supra, capítulo III.1.
[26] - Já abordámos precedentemente a forma como o CENDREV tem predilecção e habilidade para produzir espectáculos em lugares distintos do Teatro Garcia de Resende. O Palácio de Dom Manuel pode muito bem servir esses intuitos. Aliás, trata-se de um espaço de características singulares, cujo aproveitamento pode e deve ir bem mais além da realização de exposições.
[27] - Espaços de pesquisa, salas de ensaio, escritórios, etc.
[28] - Abrimos aqui uma excepção expectante para o Fórum Eugénio de Almeida, espaço recentíssimo, uma vez que, tanto quanto nos indicaram, os responsáveis da Fundação epónima pretendem configurar-lhe uma programação cultural já para breve. Veremos.
[29] - aliás, uma galeria que, a despeito da pequenez dos seus meios, consegue realizar actividades de monta, como o Festival da Gravura.
[30] - A palavra diz tudo...
[31] - E, neste aspecto, o Município já tem sobeja margem de manobra...
[32] - Inicialmente no Parque das Piscinas, depois na Praça de Touros, onde, acreditamos, veio a morrer.
[33] - Aqui, mais uma vez, como noutras circunstâncias, o nome é o que menos importa.
[34] - Se outras cidades como Coimbra, Leiria Guimarães conseguem fazê-lo, porque não será Évora capaz?
[35] - Obviamente, sem se limitar ao território do rock, poderá acolher outras músicas e até outras artes linguagens performativas. A existência de um bar parece-nos aqui fulcral para a criação de «ambiente».
[36] - Cuja demolição era, de feito, um imperativo!
[37] - Uma entidade particularmente atreita às colaborações culturais, como é sabido.
[38] - E da... Lua Cheia, porque não?
[39] - A não ser que se operacionalize um transporte rodoviário Praça do Giraldo-Fábrica da Música e vice-versa, que terá de ser forçosamente nocturno, pelo menos em dias de espectáculo.
[40] - De forma genérica, utilizam som amplificado e, tanto os músicos quanto os assistentes estão de pé, de maneira informal e descontraída. É a música erudita (embora não só, nem de forma taxativa) que prefere os instrumentos acústicos, o público sentado e, mesmo de Verão, os recintos fechados.
[41] - Temos espaços em abundância para isso, do mesmo molde que temos músicos jovens e entusiastas, à espera da ocasião.
[42] - Lembramos, neste aspecto, que todas as regiões do país – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Algarve - detêm orquestras regionais, excepto precisamente a nossa.
[43] - Ou não será que uma Capital de Distrito – e, de qualquer modo, a cidade capital do Alentejo – deve ter a responsabilidade cultural superior de impulsionar a cultura a título regional, de acordo com a sua área de influência?
[44] - Idealmente, todas as semanas – que há no nosso país matéria e obra prima para isso. E, por outra parte, o Estrangeiro é um sítio cada vez mais perto.
[45] - Inclusive com o alargamento a outras áreas artísticas – música, dança, intercâmbios jovens, etc.
[46] - Pode-se começar logo aqui pela Extremadura, com Cáceres e Mérida, duas cidades que unem o título de Património Mundial a um quadro demográfico idêntico ao nosso.
[47] - Se Porto, Almada, Tondela, Santa Maria da Feira, Guimarães, podem, porque não pode a maior e decisiva cidade transtagana?
[48] - Uma prática frequente, por exemplo, em Coimbra.
[49] - Os chamados ateliers e workshops.
[50] - Por exemplo, um estúdio de revelação fotográfica onde os jovens pudessem desenrolar o seu trabalho a baixo custo e com critérios estéticos autónomos - desde que com um objectivo artístico.
[51] - Referimo-nos àquilo que deverá servir de escritório, sito na Galeria Comercial do Hotel da Cartuxa.
[52] - Um edifício ali na vizinhança, com aparência de abandonado armazém ou oficina.
[53] - Não há aqui ironia. A arte contemporânea merece-nos o maior interesse e atenção.
[54] - Não é algo que se possa classificar de intangível por parte de uma urbe de pequena ou média dimensão. Em Braga, a Galeria Mário Sequeira tem revelado uma programação extraordinária, com frequentes participações de artistas estrangeiros de vanguarda. Mais recentemente, a Câmara Municipal de Tavira reabilitou um antigo Palácio do Século XVIII e instalou-lhe uma excelente Galeria, que não só promove encontros com os melhores criadores nacionais, como acolhe exposições de artistas estrangeiros de grande nível – o último dos quais, o catalão Antoni Tapiés. Em Sintra, outro exemplo categórico é o Museu de Arte Moderna.
[55] - Temos apenas 2, contra as 14 de Braga, as 12 de Faro (mais 9 em Albufeira e 6 em Portimão), as 7 do Funchal, as 5 de Coimbra (mais 5 na Figueira da Foz), outras 5 em Setúbal e até Santarém nos ultrapassa, com 4 salas. Estamos no mesmo nível das Caldas da Rainha, Covilhã e Viseu, entre outras. É claramente um indicador de interioridade.
[56] - Remetemos aqui para supra, nota 20, embora outros exemplos pudessem ser apontados.
[57] - Que funciona em Vila do Conde, sob a alçada do ICAM.
[58] - A Invicta soube desenvolvê-la com o Porto 2001. Aproveitando a oportunidade que representa o Festival da Figueira da Foz e outras iniciativas autóctones, sobretudo ligadas ao meio universitário, Coimbra está a desenvolver-se também neste aspecto. Aveiro e Covilhã preparam-se igualmente para dar o salto. Vamos ficar sempre a ver os outros?
[59] - Declaramos já, antes de qualquer presságio de favoritismo, que falámos uma vez na vida com Vítor Moreira, exactamente aquando da apresentação da sua curta-metragem no FIKE, já lá vai quase um ano. Provavelmente, já nem ele se lembra.
[60] - Em Itália, mas também em França e Espanha, há várias cidades de reconhecido mérito patrimonial que apostam precisamente em atrair realizações cinematográficas até si, apoiando a instalação das equipas e concedendo outras facilidades. Siena, Veneza e Bolonha são alguns dos exemplos de maior expressão. Escusado será referir os benefícios de projecção que isto acarreta para as respectivas cidades. Que os seus nomes figurem nas notas de rodapé de uma simples reflexão sobre cultura de um cidadão de outro país, talvez não seja, afinal, mera coincidência.
[61] - O intervalo de dias que mediou desde a redacção de capítulo anterior (concretamente, IV.3), no qual falávamos deste certame como estando em curso, determinou entretanto o seu termo.
[62] - Designadamente as duas sessões de cinema agendadas: na de dia 9/10 a fita disponível não correspondia ao filme anunciado, na dia 10/10, nem sequer houve sessão, devido a avaria da máquina de projecção...
[63] - As praças, mais do que as ruas, são lugares de passagem e onde se está e se olha. Logo, aí a divulgação afixada surtirá, em geral, maior efeito.


Primera publicação on line 28 febrero 2004

Saturday, October 15, 2005

Évora, a quarta cidade (?)



Évora, a quarta cidade (?)
Diz-se habitualmente, de Évora, ser a quarta cidade de Portugal no que toca ao número total de actividades culturais por ano. A ser verdadeira esta asserção, sê-lo-á, sem dúvida, depois de Lisboa, Porto e Coimbra, esta última a vestir-se como actual Capital Nacional da Cultura, e considerando, provavelmente, as duas primeiras, no todo das suas áreas metropolitanas, já que nas suas periferias encontramos concelhos com notável dinamismo cultural, como são os casos de Sintra, Seixal, Gaia ou Matosinhos.
Em todo o caso, aceitando a proposição, mas sujeitando-a a um prisma mais lato de ponderação, torna-se forçoso averiguar da verdadeira relevância do seu significado, por exemplo, à escala da Europa ou, pelo menos, da Península Ibérica. E, realmente, não podemos perder de vista que Portugal é um país culturalmente pouco desenvolvido, passe-se o eufemismo, e sem sequer indagar dos reflexos cívicos desta observação. Mas as evidências estão aí e sobejam. Basta mencionar as poucas orquestras sinfónicas que temos (não mais que três, ou seja, muito abaixo da média europeia de uma por milhão de habitantes) e os escassos, e em geral pequenos, museus de arte contemporânea. E, uma vez que tropeçámos nestes exemplos, é confrontar a carência global e flagrante de infraestruturas, espaços culturais, instituições e redes de parcerias. Naturalmente, Évora é microcosmos desta situação: lembre-se que possui um único Teatro, onde, a pesar do excelente palco, não existe fosso de orquestra, e que existem apenas duas salas de cinema com programação diária.
Isto para dizer, em termos muito corridos, que classificar uma cidade como a quarta na hierarquia cultural do nosso país pode, efectivamente, querer dizer pouco. E manifestamente se retomarmos a linha que traçávamos há pouco de medir a uma escala europeia, ou tão somente ibérica. Évora não pode comparar-se com a quarta cidade cultural de outros países, nem pouco mais ou menos com cidades como Sevilha, Bilbao ou Valência. De facto, Lisboa e Porto conseguiram evoluir culturalmente de forma significativa nos últimos dez anos, ao ponto de ambas terem desfrutado do título de Capital Europeia da Cultura, respectivamente em 1994 e 2001. Mas as restantes cidades lusas, até porque estão, desde logo, fortemente condicionadas desde uma perspectiva demográfica, situam-se francamente abaixo desses índices estruturais.
Voltando porém à nossa cidade, a força cultural de Évora assenta, à primeira vista, em três pilares essenciais. Primeiro, na sua indiscutível beleza e riqueza histórico-arquitectónicas, que mereceu em 1986 o título de Património da Humanidade pela Unesco que ainda hoje ostenta em algumas entradas do núcleo urbano. Depois, uma larga tradição de produção intelectual e artística, baseada em grupos pequenos mas perseverantes, que logrou fomentar, e, este é o terceiro aspecto, um público curioso, constante e habituado a ir a espectáculos e outras manifestações.

Mas nem estes três vectores vertebrais se encontram actualmente imunes ao espectro das ameaças. O Patrimonial, devido à falta de consciência de muitos munícipes, que insistem em usar veículos motorizados de forma desnecessária, amachucando o Centro Histórico com as maleitas de um tráfego daninho e hábitos de estacionamento selvagens e inestéticos. A dinâmica de criação e actividades porque está sujeita, cada vez mais, a debilidades e dificuldades criadas pela ausência de espaços adequados às suas novas exigências e características. Finalmente, o público, porque as novas gerações, ao não disporem de locais próprios para se afirmar e comunicar a sua arte, acabam por virar costas à cultura. Situação que ocorre também com boa parte dos universitários, que cada ano chegam em bom número à cidade, mas que revelam usualmente pouco entusiasmo ou vontade em integrar-se na movida da urbe, preferindo, grosso modo, conservar-se no nicho da cultura estudantil.
Há, portanto, neste momento, um desafio tremendo que interpela a cidade: a urgência de adaptar-se e modernizar-se, para que a sua afirmação cultural no cenário, pelo menos nacional, seja um facto autêntico, fruto de uma vitalidade real, e não um mero elemento estatístico. Para que tal se concretize, o caminho que se persiga terá que contemplar, entre outros, aspectos fundamentais, como o sejam a construção de equipamentos qualificados e capazes, a recuperação, aproveitamento e vivificação de espaços existentes mas subvalorizados, o dinamismo endógeno e, em particular, o pulsar juvenil, bem como uma aposta firme na diversidade e na qualidade.
Se o actual Executivo camarário tem demonstrado parecer sensível a estas questões, é no entanto mister inquirir se se encontra em condições técnicas, humanas, logísticas e sobretudo financeiras para empreender e efectivar estas transformações. Porque da parte do Estado e do Governo pouco haverá a esperar, conhecida a longa nossa longa história centralista – que se reflecte, por sua vez, na quase inexistência e míngua margem de manobra das instituições regionais, com as quais, por conseguinte, tampoco se poderá contar a escala decisiva.
Não obstante, a evolução da capital alentejana terá que realizar-se, sob pena de se consumar o perigo de perdermos esta delicada quarta posição, que não se pode aguentar só com o reclinar da comodidade. Com efeito, outras cidades poderiam muito furtar-nos o lugar, em particular algumas do Litoral mais desenvolvido. Pensamos, por exemplo, em Faro, Aveiro, Guimarães, ou mesmo Tavira, que nos últimos anos vêm acusando um crescendo cultural inequívoco. Ideia fundamental, parece-nos, é a de que a afirmação de Évora possa continuar a dar-se – também - por seguir como a quarta cidade cultural de Portugal, mas que isso ocorra por mérito próprio e valor efectivo, não em (falsa) virtude dos défices alheios ou em função da aridez do panorama nacional.

03 mayo 2004 (ligeiramente retocado em 15/10/05)

Évora – la cuarta ciudad


Évora – la cuarta ciudad

Se dice que Évora, capital de Alentejo, es la cuarta ciudad de Portugal en número anual de actividades culturales. Lo será, sin duda, detrás de Lisboa, Porto y Coimbra, por esta orden las más importantes, y considerando las dos primeras en la acepción de área metropolitana y no de simple ciudad, pues en las periferias de Lisboa y Porto hay localidades que son puntos culturales significativos, como Sintra, Seixal, Gaia o Matosinhos.

En todos casos, hay que averiguar la verdadera relevancia de estos dados, razonando que Portugal es un país, como en otros aspectos, poco desarrollado desde el punto de vista cultural. No es necesario mucho para confrontar la evidencia. Basta pensar en las pocas orquestas sinfónicas que hay (solamente tres, bastante abajo de la media europea de una por millón de habitantes) o en los escasos – y en general pequeños - museos de arte contemporáneo. Ya que tropezamos en estos dos ejemplos, observemos que la carencia de infraestructuras, instituciones y espacios artísticos es flagrante, y esto se aplica, palabra por palabra, al caso de Évora, que sólo posee un Teatro, donde ni siquiera se puede hacer ópera, y tan sólo dos salas de cine con programación diaria.

Esto para decir, en términos muy básicos, que al clasificar una ciudad como la cuarta en la jerarquía cultural de éste país no puede presumirse una analogía con el panorama de España. Évora no puede, por ejemplo, compararse con Sevilla, Bilbao, Valencia, Salamanca o San Sebastián. De hecho, Lisboa y Porto han conseguido un desarrollo cultural notable en los últimos diez años, coronada, cada ciudad, con el título de Capital Europea de la Cultura (respectivamente en 1994 y 2001). Pero las demás ciudades lusas – ninguna con más de 200 mil habitantes – están francamente por detrás.

Volviendo a nuestra ciudad, la fuerza cultural de Évora está concentrada en tres pilares esenciales. Primero, su indiscutible belleza y riqueza arquitectónica y histórica, que la hace, desde 1986, ostentar el título de Patrimonio de la Humanidad. En segundo lugar, una larga tradición de producción intelectual y artística, basada y fomentada en grupos pequeños pero muy activos y, en tercera plaza, un público curioso, constante y habituado a espectáculos y otras actividades.

Pero incluso estos tres factores no están inmunes a amenazas. El Patrimonial, debido a la falta de conciencia de muchos ciudadanos, que siguen utilizando de forma superflua el coche en el Centro Historico, generando un tráfico dañoso y un aparcamiento selvaje y inestético. La dinámica de actividades, porque se enfrenta cada vez más a las dificultades creadas por la ausencia de espacios adecuados. Finalmente, el público, porque las nuevas generaciones no tienen locales donde afirmarse y luego comunicar su arte, mientras los universitarios, que todos los años arriban a la ciudad, revelan poco interés en integrarse en la movida, prefiriendo conservarse en su propia cultura estudiantil.

Hay, por lo tanto, en este momento, un desafío importante que se interpone a la ciudad: modernizarse y adaptarse para que su afirmación cultural sea un hecho auténtico, pleno de vitalidad y no sólo un elemento estadístico. Para que tal se concretice, el camino que se coja tendrá que contemplar, entre otros, aspectos fundamentales como la construcción de estructuras calificadas, la recuperación, mejora y aprovechamiento de espacios subvalorados, la dinámica y el pulsar juvenil, bien como la apuesta en la diversidad y la en calidad.

El actual Ayuntamiento parece sensible a estas cuestiones. Pero hay que preguntarse si se encuentra en condiciones técnicas, humanas, logísticas y sobretodo financieras para producir estos cambios. Porque de parte del Estado y del Gobierno poco habrá que esperar, reconocida la larga tendencia centralista de la alta política portuguesa. Y las entidades regionales, que no tienen un tipo de autonomía semejante a las españolas, tampoco podrán operar a este nível.

Pero la evolución habrá que salir, sino advendrá el peligro de perderse esta cuarta posición, que no se preserva sólo por su comodidad. En efecto, otras ciudades podrán muy bien ocupar nuestro lugar, en particular algunas del litoral, como Aveiro, Guimarães o Tavira, que en los últimos años acusan un creciendo de relevo. La idea fundamental es que la afirmación de Évora pueda seguir pasando por ser la cuarta ciudad cultural de Portugal, pero que eso ocurra por verdadero valor propio y no por déficit ajeno y aridez del panorama nacional.

03 mayo 2004

(Estamos en Octubre de 2005 y Évora seguramente ya se ha visto desplazada por Faro en su supuesta cuarta posición cultural; sobre la predisposición de los gubernantes locales, recientemente elegidos, dada la catastrófica ausencia de alternativas políticas, también es de empezar a sospechar)

Tres Valores para la PosModernidad

Tres Valores para la PosModernidad

- máxima potenciación de la individualidad humana

- estetización permanente de todas las actividades y ocurrencias de la existencia

- unicidad radical de cada instante, hasta el punto en que se lo pueda vivir como un acontecimiento irrepetible
alexei 06 mayo 2004

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comentarios
sesafo 06 mayo 2004

creo que tambien se podria añadir la ausencia de un fundamento unico o verdad absoluta
Isis 06 mayo 2004

Propongo separarnos del término Postmodernidad, para mí anticuado para pasar al término Hipermosernidad del filósosfo Gilled Lipovetsky.Para él la postmodernidad fué basicamente un movimiento dialectico que empezó en la primavera del 68.La postmodernidad se refería a valores universales y más que nada sociales.Creo que nuestro nivel de individualización ha llegado hasta tal punto que (aunque suene muy triste) no podemos vernos como conjunto.

Três Valores para a Pós-Modernidade

Três Valores para a Pós-Modernidade:

- Máxima Potenciação da Individualidade Humana

- Estetização permanente de todas as actividades da existência

- Unicidade radical de cada momento ao ponto de poder vivê-lo como um acontecimento irrepetível

Sublime e Pós-Modernidade: ponto de partida

É na Grécia Clássica que encontramos a origem da arte ocidental e também da reflexão estética que sempre a acompanhou. Foi uma época em que pontificou o paradigma do Belo, situação que perdurou durante mais de dois milénios. Entrada a Europa na Modernidade, assistimos nos Séculos XVIII e XIX à consolidação irreversível de profundas transformações políticas, económicas e tecnológicas, que, obviamente, também tiveram repercussões no domínio da arte e da estética. A mais saliente é a entrada em jogo do Sublime, resultado não já da harmonia que pautava o Belo, mas fruto do espanto, da tensão e do desequilíbrio. A partir daqui, a arte vai progressivamente transformar em elementos de experiência estética o informe, o feio, o vulgar e o quotidiano, desenvolvendo-se teorias que acompanham e em alguns casos antecipam e fundamentam estes progressos. Por outro lado, as transformações que a arte sofreu não são alheias àquelas que ocorreram ao nível de democratização do seu acesso - dos meios e do público.

O Sublime, porém, não é uma pura invenção da modernidade. A ideia existe germinalmente na cultura clássica e importa resgatar essa história, para fundamentar também a sua validade nos tempos de hoje, supostamente pós-modernos. Fala-se de Pós-Modernismo em dois sentidos. Por um lado, em sentido 'cultural' e amplo, significando a crise das 'ideologias' e dos valores modernos do progresso científico e social. A partir desta decepção, emergiu uma cultura fragmentada de valores locais, ecológicos, étnicos, feministas, etc., novos actores do tecido social, em detrimento do modelo ‘eurofalologocentrico’ dominante.

Outra perspectiva, consideravelmente diferente, é a do uso do termo 'pós-moderno', em sentido 'artístico' estrito: a segunda metade do Século XIX trouxe consigo a modernidade artística que se traduziu na criação das vanguardas; um modelo de constante inovação e subversão artística que viria a apresentar sinais de falência e rejeição cem anos mais tarde. A rotura com o modelo das vanguardas modernas representaria então a 'pós-modernidade' artística - que alguns vêem também como a 'morte da arte'. Esta, traduz, a nosso ver, uma falsa questão, porque não se trata da dissolução da actividade artística, nem das suas funções de denúncia, crítica e intervenção, nem, muito menos, da fruição estética por parte do público. Portanto, o que terá deixado de existir não foi a 'arte', mas porventura apenas uma determinada concepção da arte. Ora, quer a crítica como a estética, não têm que vergar-se a esta profecia de estranhas ressonâncias («a arte morreu»), mas encetar um trabalho sério de recuperação do que a arte é hoje. Isto implica repensar a arte de acordo com o outro axioma da pós-modernidade, no seu sentido cultural lato, prestando, portanto, atenção, à cultura de massas, nas suas vertentes popular e alternativa. Os artistas sempre utilizaram as tecnologias que encontraram ao seu dispor. A electricidade, a imagem projectada, a informática e a electrónica são as novas tecnologias de hoje. E aqui, há que entender a mudança fundamental de perspectiva: não podemos continuar apenas a falar de ‘belas-artes’. As artes do nosso tempo são o cinema, as músicas urbanas amplificadas, a dança como libertação do corpo, etc. É por aqui que deveremos procurar destilar a relação sobre o sublime e a pós-modernidade.