11deJulho

tendências, souvenirs, beijos esparcidos aos precipícios dessa coisa rugosa que muitos chamam amor, solilóquios, colóquios, provocações e invectivas, enfim, de tudo um pouco, daquilo que sou

Saturday, October 15, 2005

Évora, a quarta cidade (?)



Évora, a quarta cidade (?)
Diz-se habitualmente, de Évora, ser a quarta cidade de Portugal no que toca ao número total de actividades culturais por ano. A ser verdadeira esta asserção, sê-lo-á, sem dúvida, depois de Lisboa, Porto e Coimbra, esta última a vestir-se como actual Capital Nacional da Cultura, e considerando, provavelmente, as duas primeiras, no todo das suas áreas metropolitanas, já que nas suas periferias encontramos concelhos com notável dinamismo cultural, como são os casos de Sintra, Seixal, Gaia ou Matosinhos.
Em todo o caso, aceitando a proposição, mas sujeitando-a a um prisma mais lato de ponderação, torna-se forçoso averiguar da verdadeira relevância do seu significado, por exemplo, à escala da Europa ou, pelo menos, da Península Ibérica. E, realmente, não podemos perder de vista que Portugal é um país culturalmente pouco desenvolvido, passe-se o eufemismo, e sem sequer indagar dos reflexos cívicos desta observação. Mas as evidências estão aí e sobejam. Basta mencionar as poucas orquestras sinfónicas que temos (não mais que três, ou seja, muito abaixo da média europeia de uma por milhão de habitantes) e os escassos, e em geral pequenos, museus de arte contemporânea. E, uma vez que tropeçámos nestes exemplos, é confrontar a carência global e flagrante de infraestruturas, espaços culturais, instituições e redes de parcerias. Naturalmente, Évora é microcosmos desta situação: lembre-se que possui um único Teatro, onde, a pesar do excelente palco, não existe fosso de orquestra, e que existem apenas duas salas de cinema com programação diária.
Isto para dizer, em termos muito corridos, que classificar uma cidade como a quarta na hierarquia cultural do nosso país pode, efectivamente, querer dizer pouco. E manifestamente se retomarmos a linha que traçávamos há pouco de medir a uma escala europeia, ou tão somente ibérica. Évora não pode comparar-se com a quarta cidade cultural de outros países, nem pouco mais ou menos com cidades como Sevilha, Bilbao ou Valência. De facto, Lisboa e Porto conseguiram evoluir culturalmente de forma significativa nos últimos dez anos, ao ponto de ambas terem desfrutado do título de Capital Europeia da Cultura, respectivamente em 1994 e 2001. Mas as restantes cidades lusas, até porque estão, desde logo, fortemente condicionadas desde uma perspectiva demográfica, situam-se francamente abaixo desses índices estruturais.
Voltando porém à nossa cidade, a força cultural de Évora assenta, à primeira vista, em três pilares essenciais. Primeiro, na sua indiscutível beleza e riqueza histórico-arquitectónicas, que mereceu em 1986 o título de Património da Humanidade pela Unesco que ainda hoje ostenta em algumas entradas do núcleo urbano. Depois, uma larga tradição de produção intelectual e artística, baseada em grupos pequenos mas perseverantes, que logrou fomentar, e, este é o terceiro aspecto, um público curioso, constante e habituado a ir a espectáculos e outras manifestações.

Mas nem estes três vectores vertebrais se encontram actualmente imunes ao espectro das ameaças. O Patrimonial, devido à falta de consciência de muitos munícipes, que insistem em usar veículos motorizados de forma desnecessária, amachucando o Centro Histórico com as maleitas de um tráfego daninho e hábitos de estacionamento selvagens e inestéticos. A dinâmica de criação e actividades porque está sujeita, cada vez mais, a debilidades e dificuldades criadas pela ausência de espaços adequados às suas novas exigências e características. Finalmente, o público, porque as novas gerações, ao não disporem de locais próprios para se afirmar e comunicar a sua arte, acabam por virar costas à cultura. Situação que ocorre também com boa parte dos universitários, que cada ano chegam em bom número à cidade, mas que revelam usualmente pouco entusiasmo ou vontade em integrar-se na movida da urbe, preferindo, grosso modo, conservar-se no nicho da cultura estudantil.
Há, portanto, neste momento, um desafio tremendo que interpela a cidade: a urgência de adaptar-se e modernizar-se, para que a sua afirmação cultural no cenário, pelo menos nacional, seja um facto autêntico, fruto de uma vitalidade real, e não um mero elemento estatístico. Para que tal se concretize, o caminho que se persiga terá que contemplar, entre outros, aspectos fundamentais, como o sejam a construção de equipamentos qualificados e capazes, a recuperação, aproveitamento e vivificação de espaços existentes mas subvalorizados, o dinamismo endógeno e, em particular, o pulsar juvenil, bem como uma aposta firme na diversidade e na qualidade.
Se o actual Executivo camarário tem demonstrado parecer sensível a estas questões, é no entanto mister inquirir se se encontra em condições técnicas, humanas, logísticas e sobretudo financeiras para empreender e efectivar estas transformações. Porque da parte do Estado e do Governo pouco haverá a esperar, conhecida a longa nossa longa história centralista – que se reflecte, por sua vez, na quase inexistência e míngua margem de manobra das instituições regionais, com as quais, por conseguinte, tampoco se poderá contar a escala decisiva.
Não obstante, a evolução da capital alentejana terá que realizar-se, sob pena de se consumar o perigo de perdermos esta delicada quarta posição, que não se pode aguentar só com o reclinar da comodidade. Com efeito, outras cidades poderiam muito furtar-nos o lugar, em particular algumas do Litoral mais desenvolvido. Pensamos, por exemplo, em Faro, Aveiro, Guimarães, ou mesmo Tavira, que nos últimos anos vêm acusando um crescendo cultural inequívoco. Ideia fundamental, parece-nos, é a de que a afirmação de Évora possa continuar a dar-se – também - por seguir como a quarta cidade cultural de Portugal, mas que isso ocorra por mérito próprio e valor efectivo, não em (falsa) virtude dos défices alheios ou em função da aridez do panorama nacional.

03 mayo 2004 (ligeiramente retocado em 15/10/05)

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