11deJulho

tendências, souvenirs, beijos esparcidos aos precipícios dessa coisa rugosa que muitos chamam amor, solilóquios, colóquios, provocações e invectivas, enfim, de tudo um pouco, daquilo que sou

Wednesday, November 16, 2005

Célia Barros – o resultado é o processo

Retrato de uma artista enquanto jovem

Célia Barros – o resultado é o processo

«Dependendo do que estou a fazer surge claramente a figuração ou a abstração ‘pura’. (...) Desenvolvi uma luta entre a abstracção e a figuração, tentando encontrar um meio termo entre as duas.» - Célia Barros

por Alexandre Nunes de Oliveira

Apesar da sua presença inspirar tranquilidade, esta promissora artista plástica portuguesa, de tão só 27 anos, patenteia um espírito inquieto e irreverente, mais atreito a perguntas que a respostas. Actualmente a residir no Brasil, onde partiu em busca de novas experiências, Célia Barros viveu os primeiros anos do novo século em Barcelona, uma das urbes europeias que dispõe de meios artísticos mais desenvolvidos. Rastreamos a sua evolução artística durante os anos que ali passou, na dialéctica fecunda entre escultura e gravura, desejo e espacialidade, abstracção e figuração, no encontro, enfim, da arte na suas dimensões experimental, dinâmica e processual.


I. Os anos de Barcelona

Célia Barros, artista portuguesa nascida em Lisboa há pouco menos de trinta anos, deixou em 2000 a capital do seu país para ir ao encontro e abraço de Barcelona - urbe ancorada entre o Mediterrâneo e os Pirinéus, dividida entre a paixão pela ancestralidade da cultura catalã e um pulsar indiscutivelmente cosmopolita. Tratou-se, pois, de uma decisão certamente astuta, ou pelo menos de felizes consequências, atendendo à míngua e oclusão dos meios artísticos em Portugal, e nomeadamente das suas parcas possibilidades de mercado. Contrariamente, Barcelona, sem qualquer dúvida uma das mais estimulantes metrópoles europeias deste início de século, exibe outra pujança e brilho cultural, com um panorama artístico absolutamente vivo, intenso e plural.
Trata-se, portanto, de um meio naturalmente mais predisposto à aceitação de novas propostas – falamos de público, instituições, compradores e vendedores – e que propicia excelentes condições aos jovens artistas para o desenvolvimento das suas ideias, das suas inquietações, do seu entusiasmo. Prova concludente é que em quatro anos Célia conseguiu número igual de exposições individuais em lugares públicos da cidade. Foram elas, por ordem cronológica: «Ilustraciones del libro Marranades», na Cerería; «Litografias», no Casinet d’Hostafrancs; «Objecte Invulgar», na Casa Elizalde (todas durante 2003); e «Huella y Natura», nas Cotxeres de Sants, já em 2004.
Além destas, Célia participou em inúmeras apresentações colectivas. Acompanhar de perto todas estas mostras permite-nos una visão de conjunto da obra de Célia Barros e da sua evolução temática e plástica, que é o que em seguida deslindaremos.
Antes, porém, demos guarida às suas palavras: «Não considero Barcelona como a minha cidade de adopção, mas sim como a cidade do primeiro salto, a primeira tentativa de romper com os processos normais. Romper com o habitáculo natural ou acostumado, significa para mim, poder romper com muitos raciocínios. Assim, durante a minha estada em Barcelona aluguei vários ateliers de gravura porque cada oficina tem uma organização diferente, à qual rapidamente me adapto e quanto mais tempo permaneço nesse espaço mais adequado ele me parece. Mudar de espaço de trabalho obriga sempre a mudar a organização, a metodologia, e por conseguinte, o raciocínio, o que constitui um desafio renovado».

II. Entre Eros e Geometria

Não se dá o caso para dizer que a vida artística de Célia Barros começou já na Capital da Catalunha. Como estudante na ESTGAD (Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha), já havia apetrechado a bagagem com a pintura, e com uma das suas primordiais paixões - a gravura. Foi esta técnica que acabou por abraçar de forma mais intensa e decidida a partir dos seus estudos nos ateliers da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona.
As suas obras gravadas pautam-se por certo minimalismo cromático, de tensão entre o claro (um «branco sujo») e o sombrio (tons de castanho, cinzentos e negros). Um contraste que, contudo, não incide tanto sobre a luminosidade senão sobre a forma - o desenho e a articulação de figuras e contornos. Estas formas hesitam, ou oscilam, entre duas buscas fundamentais: por um lado, movimentos geométricos que progressivamente se volatilizam e se esvanecem. Por outro, a expressão de um mundo erótico povoado de fantasias e relatos pessoais, com uma tendência à ironia (um estado de espírito) e ao grotesco (um recurso plástico).
Célia é consciente desta dicotomia, que, como veremos, não é mutuamente redutível: «existem duas linhas que definem o desenrolar do meu trabalho: arte / processo / espaço e sexualidade / corpo / humano. Algumas vezes estes temas coincidem no mesmo projecto».
No primeiro grupo, naturalmente mais tendente à abstracção, encontrámos primeiro espaços de sobreposições de linhas, labirintos, quadrados ou rectângulos, frequentemente em perspectivas oblíquas e até algo desavindas. Estas primeiras figuras deram depois passo à entrada (e pesquisa) da cor, em tonalidades secas, ou sépias, de amarelos, verdes e vermelhos e também à difuminação da geometria, gradualmente substituída por formas mais invertebradas, intangíveis, como que fantasmáticas... Nelas podemos entrever, se quisermos manter algum enlace com a representação, breves volutas de fumo de cigarro, radiografias desgastadas ou indecifráveis aparições espectrais.
Na vertente erótica, claramente apostada na neo-figuração, vemos um imaginário de corpos sempre desnudos, sem pudor de exibir a genitalidade, a masturbação e a cópula. Estes corpos são muitas vezes apresentados de maneira sórdida, às vezes rastejando, outras com a aparição de elementos animais (narizes de suíno, por exemplo) e mais habitualmente com grande desfasamento de proporção. É o caso das pranchas utilizadas em Marranades, a sua primeira mostra, inspirada no livro Estranhos Prazeres, a novela de maior êxito da escritora francesa Marie Darrieussecq (n.1969). «Conheci este texto através de uma obra de teatro d'O Bando, mais precisamente a obra com que estrearam o espaço de Palmela, depois de terem estado em Santo Antonio à Estrela. Foi das peças de teatro que mais me impressionou até hoje, chamaram-lhe A Porca. As ilustrações estão muito influenciadas pela estética da obra», explica Célia, que viu nesta representação teatral uma abertura ao mundo da «nossa faceta animal e andróide».
Parece então ser com certa naturalidade, quase como que buscando uma plenitude, que encontramos também trabalhos onde as duas componentes anteriormente referidas – erotismo e geometrismo – se entrecruzam amavelmente. Esta terceira via de mesclagem ou síntese podemos já apreciá-la identicamente nalgumas das ilustrações de Marranades: diante de um labirinto branco e negro, em perspectiva diagonal, vemos corpos humanos rastejando e coexistindo com animais. Parecem forjar um apelo às dimensões mais recônditas da interioridade humana, a uma obscuridade irrespirável e sufocante, a uma sexualidade fragmentária, doentia e perversa (ou ‘suja’). Resta saber se falamos da natureza humana (id ou líbido) ou da repressão sócio-cultural (superego).

III. O Curso do Método

A meio caminho, aquando da sua exposição individual na Casa Elizalde, um centro cultural que não sendo dos primeiros, tem lugar influente no panorama artístico de Barcelona, Célia Barros introduziu novos conceitos no campo da sua obra e da apresentação expositiva, a nível espacial e de conjunto.
De facto, falamos neste caso mais propriamente de sequências de obras que de trabalhos isolados. Encontrámos, por exemplo, a distribuição de várias das estampas pelo solo, segundo um modelo composicional, o que implica que nenhuma delas em particular seja obra, em solitário, se não que a obra se torna o conjunto, e além do mais o conjunto distribuído de uma certa maneira, não isento de uma (in)certa arbitrariedade, e ainda mais: ocupando este espaço preciso.
Temos a anuência da jovem artista: «na exposição da Casa Elizalde, a técnica utilizada é unicamente a calcografia em pranchas de ferro. A arbitrariedade é emocional, sensitiva e táctil. As estampas não estavam emolduradas, não havia nenhum tipo de protecção ou distanciamento da obra face ao espectador. Ainda mais: uma alcatifa onde te deverias descalçar para que te pudesses aproximar das estampas e das matrizes tanto quanto quisesses. A maioria destas estampas estão guardadas como relíquias e não as posso vender, uma vez que estão impregnadas de marcas deixadas pelos visitantes da exposição.»
O processo criativo não se acaba portanto no acto em que as pranchas impressas saem das maquinarias de gravação. Cada objecto resultante deste primeiro instante geracional deriva por sua vez elemento de outro processo maior, já não só ilustrativo, mas instalativo ou instalacional: a obra devém da agregação do que então passam a ser fragmentos, fracções, agora resgatados num novo movimento criativo – e além do mais dinâmico, aberto, nunca verdadeiramente acabado. O que corresponde a dizer que a noção de processo começa a ganhar relevância no pensamento e no labor artísticos de Célia.

IV. Nos interstícios da obra


Chegados a 2005, esta predominância do conceito de processo – nas suas dimensões pragmática e poética – na obra da artista de origem lisboeta, atingiu já um avatar de maturidade. Isso mesmo tivemos oportunidade de presenciar nas suas obras expostas numa colectiva da galeria Aukan, também em Barcelona, no início deste ano.
Nos três trabalhos que apresentou, havia um aspecto constante: as próprias placas de gravação, habitualmente um artefacto utilizado em estúdio para a confecção de uma obra impressa, são elevadas à categoria de escultura, passam aqui a ter o estatuto de obra de arte. Em busca de fusões, Célia logrou igualmente unir no mesmo trabalho as suas duas expressões favoritas: escultura e gravura, em frutífera comunhão, plasmando-se e homenageando-se na sua polifacética amplitude de recursos e possibilidades.
Numa das obras, a prancha de impressão, usada, desgastada e ferrugenta, pendia suspensa do tecto, consagrando-se em toda a riqueza de experiência tridimensional ao olhar do espectador. Este elemento que correntemente não era senão um aparato técnico manipulado na produção daqueles objectos que viriam a ser os verdadeiros resultados artísticos, ascende agora ao lugar do visível: já não serve para fazer arte, senão que ele mesmo se faz arte.
As restantes duas peças, mais aparentadas entre si, ofereciam-se na parede, num jogo de dupla apresentação: desde um cilindro de ferro, também tradicionalmente e por norma apenas um instrumento da oficina de gravura, escoa-se um baixo relevo de silicone, como que reproduzindo a folha impressa. Além do impacto visual que criam os contrastes e as texturas, a obra provoca um evidente efeito simbólico: o que se está representando em obra é o momento em que a obra sai da máquina, ou seja, é uma clara e sentida evocação do estético enquanto processo e não (somente) como resultado.
Ou dito de outra forma: o processo é o resultado, o que é arte encontra-se em todos os momentos da sua própria sequência criativa e heurística, como uma descoberta, uma adveniência, um devir, perpetuum moto.

V. Palavras finais

Célia Barros vive actualmente no Brasil, numa pequena comunidade do interior do Estado de São Paulo, onde participa num projecto de eco-arte, ou arte ambiental, através da recolha não agressiva de despojos naturais nas imediações da Amazónia e a sua posterior utilização no fabrico de objectos artísticos. O próximo passo, possivelmente já em marcha, poderá ser a vida como processo, como poço inesgotável de criatividade, se nos fazemos entender.

Alexandre Nunes de Oliveira
(Diário do Sul/Universitat Autònoma de Barcelona)

1 Comments:

  • At Friday, February 19, 2010 4:34:00 am, Anonymous Anonymous said…

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